APELO URGENTE PROPOSTA DE LEI QUE APROVA O ESTATUTO DAS ONG´s

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DA SOCIEDADE ANGOLANA VIVEM REPRESÁLIAS, AMEAÇAS E RESTRIÇÕES NO EXERCÍCIO DOS SEUS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS RECONHECIDOS PELA CONSTITUIÇÃO ANGOLANA E TRATADOS INTERNACIONAIS RELATIVOS À MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS.

  1. FACTOS

A Associação KUTAKESA, Movimento de Defensores dos Direitos Humanos em Angola é uma Organização da Sociedade Civil angolana, legalmente constituída no Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi, com início a folhas 78 do Livro de notas para escrituras diversas no número 1 – T e registada sob o n.º 040/2022, com sede na Rua comandante Kwenha, N.º 131/133, Bairro Maculusso, Município das Ingombotas – Luanda.

A KUTAKESA tomou conhecimento, com preocupação que, no passado dia 25 de Maio de 2023, foi à votação, na 7.ª Reunião Plenária Ordinário da 1ªLegislativa da V Legislatura, da Assembleia Nacional, a PROPOSTA DE LEI QUE APROVA O ESTATUTO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (adiante Proposta de Lei).

A referida proposta de lei compromete, seriamente, a continuidade do trabalho desenvolvido nos últimos anos pelas Organizações da sociedade civil angolana e os defensores e defensoras de direitos humanos (DDH). Um trabalho que tem tido um papel fundamental no que concerne às denúncias e recomendações sobre os actos de corrupção, as suas consequências e impacto negativo na vida das populações, na consolidação da democracia, na realização dos direitos económicos, sociais e culturais e na independência e funcionamento eficaz do sistema de justiça em Angola.

Vale aqui recordar que o trabalho desenvolvido pelas Organizações não Governamentais (ONG), insere-se no quadro de um Estado de Direito e Democrático (art.º 2.º e 21.º al. l) da CRA) que permite os cidadãos, de forma singular ou colectiva, possam participar em questões socioeconómicas e políticas que as afectam.

Ora, sem uma ampla participação cívica ou participação condicionada das pessoas nos assuntos sociais, económicos, civis e políticos que as afecta, não pode haver uma governação. Sem uma governação responsável, há maior permissividade de actos de impunidade e o abuso de poder, a corrupção e o clientelismo. A sociedade não pode prosperar. Por conseguinte, é fundamental que grandes sectores da sociedade continuem interessados e envolvidos nos assuntos cívicos, políticos e económicos da sua sociedade, para que os funcionários públicos possam ser responsabilizados.

As Associações cívicas, as Organizações não Governamentais (ONG), os activistas pró-democracia, os defensores dos direitos humanos, os defensores da terra, do ambiente e dos povos indígenas necessitam de um ambiente cívico aberto, espaço cívico aberto para poderem proteger efectivamente os direitos dos outros.

A proposta de Lei promove um ambiente de fechamento ou restrições da Liberdade das Associações, não só aumentam as ameaças contra os defensores dos direitos humanos, a sociedade civil e as ONG, mas também a eficácia do seu trabalho que fica seriamente comprometida e, em última análise, mata o desenvolvimento democrático de Angola.

A KUTAKESA tem  acompanhado que nos últimos meses o fechamento do espaço democrático tem sido cada vez mais evidente. Recordemos aqui no mês de Março do ano em curso, o Líder Sindical dos Professores do Ensino Superior Eduardo Alberto Peres tinha sido alvo de ameaças de morte, no mês de Abril membros do Movimento dos Estudantes de Angola (MEA) viram a sua manifestação ser reprimida pelas forças policiais, tendo culminado com detenção arbitrária de 5 estudantes, só para citar alguns exemplo.

Como bem define Bossuyt,  J. e Ronceray, M. (2020) o espaço cívico é uma arena pública na qual os cidadãos podem intervir livremente e organizar-se com o objectivo de defender os seus interesses, valores e identidades valores e identidades; reivindicar os seus direitos; influenciar a elaboração de políticas públicas ou pedir contas aos detentores do poder, sem interferência de qualquer poder.

Num estudo prévio feito pela KUTAKESA, a referida proposta da lei, em muitas das suas disposições são de carácter impeditivo, inibidor, restritivo e ameaça as ONG e os defensores dos direitos humanos, que gozam de protecção dos direitos civis e políticos.

A proposta de Lei constitui uma ameaça de proporções incalculáveis para o gozo de todos os direitos civis e políticos, bem como sociais, económicos, culturais e ambientais, na medida em que atribui competências ao Titular do Poder Executivo para interferir na liberdade das associações prosseguirem, livremente os seus fins.

A proposta de lei, tal como está redigida, é, portanto, susceptível de ser utilizada de forma abusiva para violar os direitos humanos e exercício dos direitos e liberdades fundamentais em Angola

Senão vejamos:

  • BREVE ANÁLISE DA PROPOSTA DE LEI QUE APROVA O ESTATUTO DAS ONG

A proposta de Lei que foi no dia 25 de maio de 23, discutida e aprovada na Generalidade com 105 votos a favor, 69 votos contra e 2 abstenções é de iniciativa do Titular do Poder Executivo, PRESIDENTE DA REPÚBLICA JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO:

Da análise efectuada pela KUTAKESA, observou-se o seguinte:

  1. Objectivo e Contexto da Proposta de Lei

Lê-se no relatório de fundamentação da referida proposta de lei que a necessidade de se legislar o estatuto das ONG, radica do complexo funcionamento criada pelas ONG o que dificulta o controlo por parte dos organismos do Estado, como pela resistência dos doadores, especialmente os internacionais, em cumprirem as leis vigentes no Estado Angolano. Os doadores determinam as regiões em que os projectos são implementados, nomeiam as organizações que o executam e até determinam, num quadro de manifestos interesses incompreensíveis, quem são os beneficiários.

O Titular do Poder Executivo angolano, considera que tem encontrado constrangimentos e dificuldades de assegurar o cumprimento de obrigações internacionalmente assumidas pelo Governo angolano em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (art.º 14.º n.º 2 al. a), b) d) da Proposta de Lei), daí a necessidade de se controlar as fontes, meios de financiamentos das ONG e destino dado aos recursos financeiros titulado por estas organizações.

Ademais, acresce ainda o referido relatório de fundamentação da proposta de Lei que, há necessidade de se Garantir a segurança interna do Estado, visto que sob o disfarce de voluntariado muitos países usam as ONG como receptáculo e envio a outros Estados de agentes secretos para espionagem.

  1. Conceitos Indeterminadas

A KUTAKESA entende que a proposta de Lei que aprova o Estatuto das ONG apresenta algumas disposições que carecem de melhor concretização em abono da boa interpretação das leis. A título de exemplo, é difícil dissecar o sentido e o alcance normativo do art.º 19.º n.º 1 al. d) que  impõe o dever de as ONG absterem-se de práticas e acções subversivas ou susceptíveis de serem confundidas com estas.  Nesta disposição a questão que se levanta é a de saber o compreende o conceito de acções subversivas na visão da entidade proponente da referida lei.

Os conceitos indeterminados constantes na proposta de lei fere o princípio da legalidade que  exige que a lei seja claramente articulada e conhecida antecipadamente e não seja aplicada retroativamente. E o art.º n.º 2.º da Lei que aprova o Estatuto das ONG impõe a conformação das ONG já existentes com as disposições da referida lei, sob pena verem os seus estatutos revogados.

  1. Interferência do Poder Executivo nas actividades das ONG

A KUTAKESA entende que a proposta de Lei das ONG interfere nas actividades das ONG, na medida em que, no seu art.º 6.º prevê a institucionalizar um órgão tutelado pelo Poder Executivo, com responsabilidade de acompanhar as actividades desenvolvidas pelas ONG.

O art.º 7.º al. c) da proposta de Lei das ONG atribui competência ao órgão dependente do titular do poder executivo para promover e propor às ONG a execução de programas e projectos complementares às acções do executivo e das comunidades. Esta mesma competência é reforçada no art.º 19.º com epígrafe “deveres” que, na sua al. c) e e) impõem às Organizações não Governamentais deveres de participar na implementação de programas económicos e sociais aprovados pelo executivo e implementar os projectos aprovados na província e na região do território nacional quando tal decorra de acordo, com contrato ou convenção.

Ora essas disposições ferem o conteúdo essencial do Direito, Liberdade e Garantia das Associações prevista no art.º 48.º n.º 2 da constituição que diz expressamente que “as associações prosseguem livremente os seus fins, sem interferência das autoridades públicas (…)”.

  1. Restrições, Excessivo Controlo e desarmonia aos Direitos Humanos na Previsto na Proposta de Lei

A proposta de lei prevê no art.º 32.º n.º 1 que o órgão responsável a ser criado pelo Titular do Poder executivo, para acompanhar o exercício das actividades das ONG pode suspender as actividades das ONG por acto administrativo. Essa disposição é contrária à constituição ao espírito da Constituição (art.º 48.º n.º 1 in fine) e ao artigo 182.º do Código Civil angolano que se aplica por força do art.º 37.º da Lei n.º 06/12 de 18 de janeiro – Lei das associações privadas, nos termos do qual prevê a extinção ou suspensão das Associações (lê-se ONG) só pode ter lugar nas seguintes situações:

  • Por Deliberação da Assembleia Geral da Associação;
  • Pelo decurso do prazo, se a ONG tiver sido constituída temporariamente;
  • Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;
  • Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
  • Por decisão judicial.

A proposta de lei que ora constitui objecto do presente apelo, no seu art.º 19.º al. h) contém conteúdos restritivos aos Direitos das ONG, na medida em que, impõem a elas o dever de aquisição dos bens e de equipamento de apoio aos projectos no mercado nacional. Tal disposição contraria o direito do consumidor à qualidade dos bens e serviços de livremente escolher o fornecedor dos bens e serviços (Cfr. Art.º 78 da CRA).

A proposta de Lei que aprova o estatuto das ONG atribui excessivos poderes ao Poder Executivo de controlar as ONG quando esta, na al. f) do artigo 19.º lhes impõe o dever de prestar informações e enviar relatórios de actividades mensais, trimestrais, semestrais e anuais, no decurso e no final dos projectos.

Consideramos serem ainda controladora a interferência na gestão financeira e administrativa das ONGS, aliás, que deve ser autónoma, nos termos do art.º 48.º n.º 1, os apoios financeiros de doadores nacionais e internacionais é o que melhor garante o exercício das actividades da ong sem que haja alguma interferência de quaisquer poderes.

A proposta de Lei ao obrigar que as ONG façam aquisição de equipamento no mercado, obrigando-a a adquirir os bens e equipamento necessários aos projectos no mercado nacional (art.º 19.º al. h)) está contrariar a Constituição no art.º 78.º sob a epígrafe direito do consumidor que nos termos do n.º 1 do referido artigo o consumidor tem direito a qualidade dos bens e serviços a informação  que não se circunscreve ao mercado nacional.

A excessiva preocupação que a proposta de lei revela com os crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo revela-se desnecessária, porquanto, o sistema jurídico angolano é suficientemente claro quanto as actos proibitivos quanto aqueles tipos legais de crimes, prevendo, as pessoas colectivas de direito privado (ONG)  que vierem a praticais actos sujeitos ao processo crime o código penal angolano no seu Capítulo VI prevê, responsabilização criminal criminal nos artigos 90.º a 100.º.

A Proposta de Lei que aprova o estatuto das ONG não está de harmonia às convenções internacionais de Direitos Humanos e de vários compromissos que obrigam o país a respeitar os direitos humanos, por força do princípio da cláusula geral aberta, previsto no artigo 26.º n.º 1 da CRA.

Proposta de Lei do estatuto das ONG não está de harmonia a resolução 319 (LVII) 2015, criada pela Comissão Africana, nos termos do art.º 45.º n.º 1 al. b) da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, nos termos do qual considera que quaisquer órgãos de supervisão das associações devem ser tratadas se necessário, por um único órgão que exerça as suas funções de forma imparcial e justa. Ora, para a Kutakesa a proposta de Lei interfere na vida das ONG de elas prosseguirem livremente os seus fins.

Os direitos civis e políticos estão também consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e constituem um objectivo fundamental da criação da União Africana, nos termos do Acto Constitutivo da UA.

O projecto de lei de que aprova o estatuto das ONG representa um risco significativo para o espaço cívico em Angola. Dá demasiado poder ao Executivo para controlar e interferir no trabalho das ONG. Aumenta a aumenta a vigilância e o controlo das ONG e dos defensores dos direitos humanos. Potencialmente criminaliza potencialmente o trabalho das ONG e a defesa dos direitos humanos. A lei cria uma potencial arbitrariedade na aplicação da lei.

Cria perigos reais de expropriação dos fundos e activos das e activos das ONG sem um processo justo e sem indemnização. Pode também ser utilizada para perturbar o trabalho de apoio à democracia, governação, os direitos humanos e o Estado de direito.

Para a KUTAKESA, a proposta de lei é restritiva e contraria o regime jurídico das restrições dos Direitos Liberdades e Garantias fundamentais previsto no art.º 57.º da CRA que  estabelece que os direitos fundamentais e liberdades consagradas na Constituição Angolana só podem ser limitadas, restringidos apenas nos termos de uma lei de aplicação geral e abstrata, devendo limitar-se ao necessário, proporcional e razoável, numa sociedade democrática para salvaguardar      ou direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

  • CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Face ao que foi dito, instamos ao RELATOR ESPECIAL SOBRE A SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA, HON. COMISSÁRIO REMY NGOY LUMBU e a RELATORA ESPECIAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE A SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS, SENHORA MARY LAWLOR, o seguinte:

  • Instar o Governo do Angolano, encorajando-o a retirar a Proposta de Lei que Aprova o Estatuto das Organizações não Governamentais e iniciar um processo de consulta alargado com a sociedade civil;
  • Encoraja a não aprovar qualquer nova lei que regule o quadro jurídico através do qual as ONG passam a existir em Angola e a aplicá-la retroactivamente para afectar os direitos dos grupos da sociedade civil e das ONG que já existem legal e validamente nos termos das actuais leis do país;
  • Qualquer proposta de nova legislação que regule o registo e funcionamento das ONG deve isentar as organizações que já registadas em homenagem ao princípio da segurança e certeza jurídica aplicável à Ordem Jurídica Angolana;
  • Solicita ao Poder Executivo e ao Parlamento angolano que tenha especialmente em conta que a Constituição da República de Angola é a lei suprema e qualquer proposta de lei, prática, costume ou conduta deve prática devem estar de acordo à Constituição e Convenções Internacionais Relativo a matéria de Direitos Humanos;
  • Lembre ao Estado angolano que os Direitos Humanos reconhecido na ordem jurídica angolana são vinculativos e aplicam-se erga omnis e vinculam a todas as pessoas, singulares ou colectivas, incluindo o Estado e todas as instituições executivas, legislativas e judiciais e agências do governo a todos os níveis;
  • Qualquer proposta de lei relativa às ONG não deve, por conseguinte, restringir o espaço cívico ou impedir o gozo dos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais consagrados na Constituição;
  • Qualquer proposta de lei sobre as ONG não deve ter por objectivo criminalizar o trabalho das ONG ou dos defensores dos direitos humanos e desencorajar a Assembleia Nacional permitir que o Governo possa praticar actos administrativos que visam suspender as ONG.

 

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DA SOCIEDADE ANGOLANA VIVEM REPRESÁLIAS, AMEAÇAS E RESTRIÇÕES NO EXERCÍCIO DOS SEUS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS FUNDAMENTAIS RECONHECIDOS PELA CONSTITUIÇÃO ANGOLANA E TRATADOS INTERNACIONAIS RELATIVOS À MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS.

  1. FACTOS

A Associação KUTAKESA, Movimento de Defensores dos Direitos Humanos em Angola é uma Organização da Sociedade Civil angolana, legalmente constituída no Cartório Notarial do Kilamba Kiaxi, com início a folhas 78 do Livro de notas para escrituras diversas no número 1 – T e registada sob o n.º 040/2022, com sede na Rua comandante Kwenha, N.º 131/133, Bairro Maculusso, Município das Ingombotas – Luanda.

A KUTAKESA tomou conhecimento, com preocupação que, no passado dia 25 de Maio de 2023, foi à votação, na 7.ª Reunião Plenária Ordinário da 1ªLegislativa da V Legislatura, da Assembleia Nacional, a PROPOSTA DE LEI QUE APROVA O ESTATUTO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (adiante Proposta de Lei).

A referida proposta de lei compromete, seriamente, a continuidade do trabalho desenvolvido nos últimos anos pelas Organizações da sociedade civil angolana e os defensores e defensoras de direitos humanos (DDH). Um trabalho que tem tido um papel fundamental no que concerne às denúncias e recomendações sobre os actos de corrupção, as suas consequências e impacto negativo na vida das populações, na consolidação da democracia, na realização dos direitos económicos, sociais e culturais e na independência e funcionamento eficaz do sistema de justiça em Angola.

Vale aqui recordar que o trabalho desenvolvido pelas Organizações não Governamentais (ONG), insere-se no quadro de um Estado de Direito e Democrático (art.º 2.º e 21.º al. l) da CRA) que permite os cidadãos, de forma singular ou colectiva, possam participar em questões socioeconómicas e políticas que as afectam.

Ora, sem uma ampla participação cívica ou participação condicionada das pessoas nos assuntos sociais, económicos, civis e políticos que as afecta, não pode haver uma governação. Sem uma governação responsável, há maior permissividade de actos de impunidade e o abuso de poder, a corrupção e o clientelismo. A sociedade não pode prosperar. Por conseguinte, é fundamental que grandes sectores da sociedade continuem interessados e envolvidos nos assuntos cívicos, políticos e económicos da sua sociedade, para que os funcionários públicos possam ser responsabilizados.

As Associações cívicas, as Organizações não Governamentais (ONG), os activistas pró-democracia, os defensores dos direitos humanos, os defensores da terra, do ambiente e dos povos indígenas necessitam de um ambiente cívico aberto, espaço cívico aberto para poderem proteger efectivamente os direitos dos outros.

A proposta de Lei promove um ambiente de fechamento ou restrições da Liberdade das Associações, não só aumentam as ameaças contra os defensores dos direitos humanos, a sociedade civil e as ONG, mas também a eficácia do seu trabalho que fica seriamente comprometida e, em última análise, mata o desenvolvimento democrático de Angola.

A KUTAKESA tem  acompanhado que nos últimos meses o fechamento do espaço democrático tem sido cada vez mais evidente. Recordemos aqui no mês de Março do ano em curso, o Líder Sindical dos Professores do Ensino Superior Eduardo Alberto Peres tinha sido alvo de ameaças de morte, no mês de Abril membros do Movimento dos Estudantes de Angola (MEA) viram a sua manifestação ser reprimida pelas forças policiais, tendo culminado com detenção arbitrária de 5 estudantes, só para citar alguns exemplo.

Como bem define Bossuyt,  J. e Ronceray, M. (2020) o espaço cívico é uma arena pública na qual os cidadãos podem intervir livremente e organizar-se com o objectivo de defender os seus interesses, valores e identidades valores e identidades; reivindicar os seus direitos; influenciar a elaboração de políticas públicas ou pedir contas aos detentores do poder, sem interferência de qualquer poder.

Num estudo prévio feito pela KUTAKESA, a referida proposta da lei, em muitas das suas disposições são de carácter impeditivo, inibidor, restritivo e ameaça as ONG e os defensores dos direitos humanos, que gozam de protecção dos direitos civis e políticos.

A proposta de Lei constitui uma ameaça de proporções incalculáveis para o gozo de todos os direitos civis e políticos, bem como sociais, económicos, culturais e ambientais, na medida em que atribui competências ao Titular do Poder Executivo para interferir na liberdade das associações prosseguirem, livremente os seus fins.

A proposta de lei, tal como está redigida, é, portanto, susceptível de ser utilizada de forma abusiva para violar os direitos humanos e exercício dos direitos e liberdades fundamentais em Angola

Senão vejamos:

  • BREVE ANÁLISE DA PROPOSTA DE LEI QUE APROVA O ESTATUTO DAS ONG

A proposta de Lei que foi no dia 25 de maio de 23, discutida e aprovada na Generalidade com 105 votos a favor, 69 votos contra e 2 abstenções é de iniciativa do Titular do Poder Executivo, PRESIDENTE DA REPÚBLICA JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO:

Da análise efectuada pela KUTAKESA, observou-se o seguinte:

  1. Objectivo e Contexto da Proposta de Lei

Lê-se no relatório de fundamentação da referida proposta de lei que a necessidade de se legislar o estatuto das ONG, radica do complexo funcionamento criada pelas ONG o que dificulta o controlo por parte dos organismos do Estado, como pela resistência dos doadores, especialmente os internacionais, em cumprirem as leis vigentes no Estado Angolano. Os doadores determinam as regiões em que os projectos são implementados, nomeiam as organizações que o executam e até determinam, num quadro de manifestos interesses incompreensíveis, quem são os beneficiários.

O Titular do Poder Executivo angolano, considera que tem encontrado constrangimentos e dificuldades de assegurar o cumprimento de obrigações internacionalmente assumidas pelo Governo angolano em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (art.º 14.º n.º 2 al. a), b) d) da Proposta de Lei), daí a necessidade de se controlar as fontes, meios de financiamentos das ONG e destino dado aos recursos financeiros titulado por estas organizações.

Ademais, acresce ainda o referido relatório de fundamentação da proposta de Lei que, há necessidade de se Garantir a segurança interna do Estado, visto que sob o disfarce de voluntariado muitos países usam as ONG como receptáculo e envio a outros Estados de agentes secretos para espionagem.

  1. Conceitos Indeterminadas

A KUTAKESA entende que a proposta de Lei que aprova o Estatuto das ONG apresenta algumas disposições que carecem de melhor concretização em abono da boa interpretação das leis. A título de exemplo, é difícil dissecar o sentido e o alcance normativo do art.º 19.º n.º 1 al. d) que  impõe o dever de as ONG absterem-se de práticas e acções subversivas ou susceptíveis de serem confundidas com estas.  Nesta disposição a questão que se levanta é a de saber o compreende o conceito de acções subversivas na visão da entidade proponente da referida lei.

Os conceitos indeterminados constantes na proposta de lei fere o princípio da legalidade que  exige que a lei seja claramente articulada e conhecida antecipadamente e não seja aplicada retroativamente. E o art.º n.º 2.º da Lei que aprova o Estatuto das ONG impõe a conformação das ONG já existentes com as disposições da referida lei, sob pena verem os seus estatutos revogados.

  1. Interferência do Poder Executivo nas actividades das ONG

A KUTAKESA entende que a proposta de Lei das ONG interfere nas actividades das ONG, na medida em que, no seu art.º 6.º prevê a institucionalizar um órgão tutelado pelo Poder Executivo, com responsabilidade de acompanhar as actividades desenvolvidas pelas ONG.

O art.º 7.º al. c) da proposta de Lei das ONG atribui competência ao órgão dependente do titular do poder executivo para promover e propor às ONG a execução de programas e projectos complementares às acções do executivo e das comunidades. Esta mesma competência é reforçada no art.º 19.º com epígrafe “deveres” que, na sua al. c) e e) impõem às Organizações não Governamentais deveres de participar na implementação de programas económicos e sociais aprovados pelo executivo e implementar os projectos aprovados na província e na região do território nacional quando tal decorra de acordo, com contrato ou convenção.

Ora essas disposições ferem o conteúdo essencial do Direito, Liberdade e Garantia das Associações prevista no art.º 48.º n.º 2 da constituição que diz expressamente que “as associações prosseguem livremente os seus fins, sem interferência das autoridades públicas (…)”.

  1. Restrições, Excessivo Controlo e desarmonia aos Direitos Humanos na Previsto na Proposta de Lei

A proposta de lei prevê no art.º 32.º n.º 1 que o órgão responsável a ser criado pelo Titular do Poder executivo, para acompanhar o exercício das actividades das ONG pode suspender as actividades das ONG por acto administrativo. Essa disposição é contrária à constituição ao espírito da Constituição (art.º 48.º n.º 1 in fine) e ao artigo 182.º do Código Civil angolano que se aplica por força do art.º 37.º da Lei n.º 06/12 de 18 de janeiro – Lei das associações privadas, nos termos do qual prevê a extinção ou suspensão das Associações (lê-se ONG) só pode ter lugar nas seguintes situações:

  • Por Deliberação da Assembleia Geral da Associação;
  • Pelo decurso do prazo, se a ONG tiver sido constituída temporariamente;
  • Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;
  • Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
  • Por decisão judicial.

A proposta de lei que ora constitui objecto do presente apelo, no seu art.º 19.º al. h) contém conteúdos restritivos aos Direitos das ONG, na medida em que, impõem a elas o dever de aquisição dos bens e de equipamento de apoio aos projectos no mercado nacional. Tal disposição contraria o direito do consumidor à qualidade dos bens e serviços de livremente escolher o fornecedor dos bens e serviços (Cfr. Art.º 78 da CRA).

A proposta de Lei que aprova o estatuto das ONG atribui excessivos poderes ao Poder Executivo de controlar as ONG quando esta, na al. f) do artigo 19.º lhes impõe o dever de prestar informações e enviar relatórios de actividades mensais, trimestrais, semestrais e anuais, no decurso e no final dos projectos.

Consideramos serem ainda controladora a interferência na gestão financeira e administrativa das ONGS, aliás, que deve ser autónoma, nos termos do art.º 48.º n.º 1, os apoios financeiros de doadores nacionais e internacionais é o que melhor garante o exercício das actividades da ong sem que haja alguma interferência de quaisquer poderes.

A proposta de Lei ao obrigar que as ONG façam aquisição de equipamento no mercado, obrigando-a a adquirir os bens e equipamento necessários aos projectos no mercado nacional (art.º 19.º al. h)) está contrariar a Constituição no art.º 78.º sob a epígrafe direito do consumidor que nos termos do n.º 1 do referido artigo o consumidor tem direito a qualidade dos bens e serviços a informação  que não se circunscreve ao mercado nacional.

A excessiva preocupação que a proposta de lei revela com os crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo revela-se desnecessária, porquanto, o sistema jurídico angolano é suficientemente claro quanto as actos proibitivos quanto aqueles tipos legais de crimes, prevendo, as pessoas colectivas de direito privado (ONG)  que vierem a praticais actos sujeitos ao processo crime o código penal angolano no seu Capítulo VI prevê, responsabilização criminal criminal nos artigos 90.º a 100.º.

A Proposta de Lei que aprova o estatuto das ONG não está de harmonia às convenções internacionais de Direitos Humanos e de vários compromissos que obrigam o país a respeitar os direitos humanos, por força do princípio da cláusula geral aberta, previsto no artigo 26.º n.º 1 da CRA.

Proposta de Lei do estatuto das ONG não está de harmonia a resolução 319 (LVII) 2015, criada pela Comissão Africana, nos termos do art.º 45.º n.º 1 al. b) da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, nos termos do qual considera que quaisquer órgãos de supervisão das associações devem ser tratadas se necessário, por um único órgão que exerça as suas funções de forma imparcial e justa. Ora, para a Kutakesa a proposta de Lei interfere na vida das ONG de elas prosseguirem livremente os seus fins.

Os direitos civis e políticos estão também consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e constituem um objectivo fundamental da criação da União Africana, nos termos do Acto Constitutivo da UA.

O projecto de lei de que aprova o estatuto das ONG representa um risco significativo para o espaço cívico em Angola. Dá demasiado poder ao Executivo para controlar e interferir no trabalho das ONG. Aumenta a aumenta a vigilância e o controlo das ONG e dos defensores dos direitos humanos. Potencialmente criminaliza potencialmente o trabalho das ONG e a defesa dos direitos humanos. A lei cria uma potencial arbitrariedade na aplicação da lei.

Cria perigos reais de expropriação dos fundos e activos das e activos das ONG sem um processo justo e sem indemnização. Pode também ser utilizada para perturbar o trabalho de apoio à democracia, governação, os direitos humanos e o Estado de direito.

Para a KUTAKESA, a proposta de lei é restritiva e contraria o regime jurídico das restrições dos Direitos Liberdades e Garantias fundamentais previsto no art.º 57.º da CRA que  estabelece que os direitos fundamentais e liberdades consagradas na Constituição Angolana só podem ser limitadas, restringidos apenas nos termos de uma lei de aplicação geral e abstrata, devendo limitar-se ao necessário, proporcional e razoável, numa sociedade democrática para salvaguardar      ou direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

  • CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Face ao que foi dito, instamos ao RELATOR ESPECIAL SOBRE A SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS EM ÁFRICA, HON. COMISSÁRIO REMY NGOY LUMBU e a RELATORA ESPECIAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE A SITUAÇÃO DOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS, SENHORA MARY LAWLOR, o seguinte:

  • Instar o Governo do Angolano, encorajando-o a retirar a Proposta de Lei que Aprova o Estatuto das Organizações não Governamentais e iniciar um processo de consulta alargado com a sociedade civil;
  • Encoraja a não aprovar qualquer nova lei que regule o quadro jurídico através do qual as ONG passam a existir em Angola e a aplicá-la retroactivamente para afectar os direitos dos grupos da sociedade civil e das ONG que já existem legal e validamente nos termos das actuais leis do país;
  • Qualquer proposta de nova legislação que regule o registo e funcionamento das ONG deve isentar as organizações que já registadas em homenagem ao princípio da segurança e certeza jurídica aplicável à Ordem Jurídica Angolana;
  • Solicita ao Poder Executivo e ao Parlamento angolano que tenha especialmente em conta que a Constituição da República de Angola é a lei suprema e qualquer proposta de lei, prática, costume ou conduta deve prática devem estar de acordo à Constituição e Convenções Internacionais Relativo a matéria de Direitos Humanos;
  • Lembre ao Estado angolano que os Direitos Humanos reconhecido na ordem jurídica angolana são vinculativos e aplicam-se erga omnis e vinculam a todas as pessoas, singulares ou colectivas, incluindo o Estado e todas as instituições executivas, legislativas e judiciais e agências do governo a todos os níveis;
  • Qualquer proposta de lei relativa às ONG não deve, por conseguinte, restringir o espaço cívico ou impedir o gozo dos Direitos, Liberdades e Garantias fundamentais consagrados na Constituição;
  • Qualquer proposta de lei sobre as ONG não deve ter por objectivo criminalizar o trabalho das ONG ou dos defensores dos direitos humanos e desencorajar a Assembleia Nacional permitir que o Governo possa praticar actos administrativos que visam suspender as ONG.